O Melhor BATMAN do Cinema

Na filosofia existem questões clássicas que permeiam as discussões de grandes pensadores (e até de pequenos pensadores e de não pensadores) e que nunca encontraram uma resposta. Aristotélicos, epicuristas e estoicos discutiram sobre o sentido da vida e entre ataraxia e eurhoia biou nunca chegaram num desfecho. Existe uma questão contemporânea que ocupa discussões de fóruns e mesas de botecos e que parece seguir a mesma tendência de não ser solucionada, mas que eu, aqui, pretendo heurekar! Quem foi o melhor Batman do cinema até hoje?

É bastante comum numa roda de amizades onde o assunto cai nos filmes da Warner-DC a questão aparece dividindo as pessoas. Cada um levantará sua bandeira, defenderá uma versão do personagem e dirá quais traços são fundamentais para sua escolha. Mas existe um miasma que ocupa boa parte dessas escolhas: a pouca lembrança dos atores e das interpretações desses personagens. São memórias que temos de diversos momentos que vivemos (ou ouvimos dizer) e que não fazem justiça diante da questão. Como existir um Batman essencial se o próprio Batman nunca foi imutável?

O Batman completou 77 anos agora em 2016, e a sua mitologia dos quadrinhos passou por uma infinidade de etapas. Foram equipes editoriais, mudanças nos valores, etc. Estive com o amigo e pesquisador Thiago Monteiro Bernardo no XVII encontro de História da ANPUH-Rio e ambos levamos pesquisas sobre o universo do personagem. Thiago apresentou um eficiente panorama de mudanças que o personagem sofreu durante todo esse tempo. O Batman é uma construção, um personagem que se adéqua dentro de mutáveis arquétipos: do herói de aventuras, do detetive noir, do super-herói mascarado, do vigilante enlouquecido, do combatente implacável.

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Três gerações de morcegos

Então cada Batman no cinema correspondeu a uma específica construção de Batman nas histórias em quadrinhos. O Batman de 1939 pode ser visto na atuação de Lewis Wilson na série Batman, de 1943 (veja um trecho!), e foi inclusive nesta série para televisão que surgiu a Batcaverna e onde a imagem do Alfred foi lapidada (antes disso ele era mais corpulento). Na série de 1949, Batman é interpretado por Robert Lowery (veja!), e o baixo orçamento da produção não deslegitimou a ameaça do vilão de atacar o mundo com uma arma tão destrutível quanto uma bomba atômica, experiência bastante recente no imaginário popular com o ataque a Hiroshima em agosto de 1945.

Mudanças climáticas nas narrativas dos quadrinhos, principalmente sob as alegações de gente como Fredric Wertham (esse povo que vê perigo em tudo) e sua cruzada contra os quadrinhos, serviram de base para mudanças no clima narrativo para TV e cinema. Em 1966 foi a vez de Adam West vestir a caricata capa, atuando em uma série e num filme ao estilo camp, bastante atrativo para a geração da segunda metade dos 60. Esse estilo, cheio de duplos sentidos, foi uma coqueluche da Indústria Cultural e a inserção do Batman tinha que corroborar com essa tendência (A origem do Batusi, a dança predileta do quadrinhista Ricardo Cidade).

Uma vez postei num antigo blog um texto onde eu fazia uma ferrenha crítica ao Batman de 66, que ele “ofendia” a minha concepção de Batman. A resposta veio de um texto coerente e calmo de um senhor que assumia-se fã do Batman de 66 e tratou meu desrespeito e preconceito com uma certa doçura (de um Batman pra outro). Ele explicou que não tinha como ver os Batmen mais recentes como referencial, já que o referencial dele era justamente o Batman de 66 e os quadrinhos que leu na década de 50. Ele tem TODA razão e eu fui precipitado. Ler os quadrinhos do final dos anos 40 e boa parte dos anos 50 deu uma nova visão sobre o Batman de 66.

O Batman de minha geração (lá vai eu entregando minha idade e também a idade do Thiago) veio com os quadrinhos de Neil Adams e Dennis O´Neil e o filme de 1989. Meu referencial era justamente a desconstrução do Batman de 66 e seu clima, com a produção de Adams e O´Neil mais violenta, soturna, exageradamente cheia de machezas. E o Batman dos cinemas era uma produção gótica do excêntrico Tim Burton e Michael Keaton no papel do cavaleiro das trevas (lembra dessa cena?). O sucesso foi bem aproveitado em 1992, em Batman Returns, mas perdeu o clima com a entrada de Joel Schumacher, ganhando mais humor e inspirado no Batman de 66.

Essa safra dirigida por Schumacher dividiu os fãs do personagem e logo fizeram as comparações entre as produções e seus diretores. Em 1995 o diretor de Batman Forever coloca o ator Val Kilmer como protagonista (veja a abertura ainda com influências do filme anterior), mas em 1997, em Batman & Robin a sua escolha é George Clooney (com direito a Bat-mamilos, não lembra? Então veja aqui!). Com isso já temos a fragmentação entre os entusiastas, de escolher seu Batman predileto através das atuações dos artistas em questão e sempre com o discurso de essência.  Muitos dirão que essa “essência” voltou na trilogia de Christopher Nolan, entre 2005 e 2012, justamente por contrariar o retorno do cômico e pretender o clima soturno e “realista”.

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O alegórico Ben Affleck

Mesmo com uma produção empobrecida de roteiro e polemicamente carregada de falhas, o Batman de Ben Affleck nas produções do diretor Zack Snyder fica nessa corda bamba entre o de Nolan, o personagem dos quadrinhos e o Batman da série de jogos Arkham. Obviamente a figura deste Batman está mais atrelada a essa realidade social histórica, seu público entusiasmado, que tão fascinada pela alegoria visual não irá se importar tanto com outros detalhes usados pela crítica: O Batman não é um detetive. Mas será que ele o foi nos filmes anteriores? Estamos falando de um elemento na figura do personagem e não em sua base ‘molecular”.

Uma escolha de melhor representação do personagem nos cinemas comete um deslize: não entender a mutabilidade e as transformações do personagem. A questão “Qual o melhor Batman” esbarra irremediavelmente na ideia de contemplar uma essência do personagem. Que essência? O personagem nunca foi o mesmo, apesar de manter algumas características que nos fazem assegurar de que se trata do Batman, mas essas características não são exatamente sólidas e é justamente nisso que boas produções podem ser feitas e temos uma variedade desigual de Batmen em boas histórias em quadrinhos.

Ah, mas agora vem a questão que muitos devem estar querendo confrontar o BATMAN aqui! Fiz a apresentação dos vestígios de minha investigação e não atendi a resposta filosófica de quem é o melhor Batman dos cinemas. Farei! Em diversos eventos acadêmicos, num momento de descontração, ou mesmo em botecos com amigos, como o ocorrido na cidade de Leopoldina (bucólica delícia mineira), expus a minha escolha: O melhor Batman dos cinemas é o Sean Connery. Sim, num bat-filme chamado O Nome da Rosa, de 1986. O filme tem sua inspiração no livro homônimo, escrito pelo intelectual italiano Umberto Eco e publicado em 1980. Conta a história de um mosteiro gótico do século XIV que sofre de terríveis crimes misteriosos que são investigados por um inteligentíssimo padre franciscano chamado William de Baskerville e seu pupilo Adso de Melk. O seu desfecho tem a ver com o riso, há um anti-coringa de antagonista.

Eco faz uma malha traçada de diversas inspirações tanto históricas quanto literárias, enriquecendo a obra de detalhes. Detalhes que podem se relacionar com BATMAN: Em Don Quixote de Miguel de Cervantes e seu uso de um sidekick, o Sancho Pança, em busca de uma idade média perdida. No uso dessa estratégia narrativa em contos detetivescos de Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle, com o doutor Watson servindo de suporte explicativo para o leitor para os discursos de Holmes da mesma forma que Adso (reparou o nome?) serve para William de Baskerville (inclusive o nome de um dos livros de Sherlock Holmes é O cão dos Baskerville, sacou?).

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O nome da Rosa – Filme

O melhor Batman nos cinemas, na minha opinião, é Sean Connery, inclusive tem uma fabulosa cena dele e de seu pupilo correndo pela tenebrosa vila gótica medieval com suas “capas” ao vento. Se há uma “essência” detetivesca, se há qualquer “essência” no Batman, ela não é do Batman. Ela está no Batman. Ela é de uma categoria arquetípica de personagens que adoramos ver usar de toda a sagacidade intelectual e física para solucionar mistérios e fazer pagar os errados. Qual o seu Batman predileto? Ah, eu não faço ideia. Nos conte. Mas é certo que depois deste texto você vai assistir O Nome da Rosa com outros olhos.

(texto originalmente publicado no Plano Infalível em 15 de agosto de 2016)

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